Da história dos flagelados,
como amostra de sangue,
retiraram-se discursos
coagulados.
A redundante história
da América Latina
descobriu-se cancerígena
falácia.
A liberdade, confusa,
não sabia se deveria prantear
ou ser pranteada
enquanto a ingorância,
carpideira e mercenária,
chorava cicuta nas goelas
dos filósofos.
Os flagelados,
ainda sem conhecer a história de si mesmos,
receberam em nome do Senhor
uma extrema-unção coletiva
e imposta.
Não sabiam que a ciência descobrira
a inexistência das raças,
o vazio dos corpos,
o multiverso...
Conheciam profundamente
a necessidade do bife e do sexo,
sabiam-se somente corpos
sem finalidade além da mais-valia,
enquanto o discurso gorduroso
que consumiam por obrigação
coagulava cada vez mais a via cardíaca
que irrigaria de poder a liberdade real,
que ora sabia apenas chorar sobre si mesma
venenosos flagelos.
Na história dos flagelados,
lê-se que os oprimidos
dela participaram somente para quebrar coisas
em favor dos mentirosos da oposição
aos que outrora se opuseram.
Artistas iconizaram idiotas em estátuas
pagas pelo Estado,
enquanto a criação teórica
de classes economico-sócio-histórico-fenotípico-culturais
dividia populações semifeudais
para conquistá-las violentamente,
ainda que sem sangue
(até onde veiculou o quarto poder).
Na história dos flagelados,
há um capítulo dedicado à formação moral.
Nele, aprende-se
que não é de boa conduta
não sofrer,
assim como deve-se ver com deconfiança
o indivíduo que goste do que for farto
e do que for belo.
Admite-se, nesse capítulo,
no máximo uma beleza... reciclável,
descartável,
pois aspirações à eternidade
nada são além de subversões inúteis.
Deve-se acreditar em Deus sem conhecê-Lo,
de modo que espelhos polidos
devem ser julgados como arrogante forma de narcisismo.
Deve-se pagar impostos antes de devê-los,
com a finalidade de ajudar o Estado
a ajudar os flagelados.
Deve-se ser simples
e evitar falar
considerando concordâncias
verbais e nominais,
essas que são uma maldita forma
de dominação burguesa.
Deve-se competir pelo maior número de flagelos,
pois estes levam ao reino do céu,
sem jamais retirar de um irmão
a possibilidade de flagelar-se,
para que também ele encontre seu póstumo paraíso.
Na história dos flagelados,
conta-se que sem flagelados
não existiria história dos flagelados.
A história dos flagelados
é seu próprio
carrasco,
por vezes reencarnado
em algum líder populista.
A história dos flagelados
jamais matará a fome.
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