sábado, 28 de fevereiro de 2015

QUEM NÃO MATA A FOME

Da história dos flagelados, 
como amostra de sangue,
retiraram-se discursos
coagulados.
A redundante história
da América Latina
descobriu-se cancerígena
falácia.
A liberdade, confusa,
não sabia se deveria prantear
ou ser pranteada
enquanto a ingorância,
carpideira e mercenária,
chorava cicuta nas goelas
dos filósofos.
Os flagelados,
ainda sem conhecer a história de si mesmos,
receberam em nome do Senhor
uma extrema-unção coletiva
e imposta.
Não sabiam que a ciência descobrira
a inexistência das raças,
o vazio dos corpos,
o multiverso...
Conheciam profundamente
a necessidade do bife e do sexo,
sabiam-se somente corpos
sem finalidade além da mais-valia,
enquanto o discurso gorduroso
que consumiam por obrigação
coagulava cada vez mais a via cardíaca
que irrigaria de poder a liberdade real,
que ora sabia apenas chorar sobre si mesma
venenosos flagelos.

Na história dos flagelados,
lê-se que os oprimidos 
dela participaram somente para quebrar coisas
em favor dos mentirosos da oposição
aos que outrora se opuseram.
Artistas iconizaram idiotas em estátuas
pagas pelo Estado,
enquanto a criação teórica
de classes economico-sócio-histórico-fenotípico-culturais
dividia populações semifeudais
para conquistá-las violentamente,
ainda que sem sangue
(até onde veiculou o quarto poder).

Na história dos flagelados,
há um capítulo dedicado à formação moral.
Nele, aprende-se 
que não é de boa conduta
não sofrer,
assim como deve-se ver com deconfiança
o indivíduo que goste do que for farto
e do que for belo.
Admite-se, nesse capítulo,
no máximo uma beleza... reciclável,
descartável,
pois aspirações à eternidade
nada são além de subversões inúteis.
Deve-se acreditar em Deus sem conhecê-Lo,
de modo que espelhos polidos
devem ser julgados como arrogante forma de narcisismo.
Deve-se pagar impostos antes de devê-los,
com a finalidade de ajudar o Estado
a ajudar os flagelados.
Deve-se ser simples 
e evitar falar
considerando concordâncias 
verbais e nominais,
essas que são uma maldita forma
de dominação burguesa.
Deve-se competir pelo maior número de flagelos,
pois estes levam ao reino do céu,
sem jamais retirar de um irmão
a possibilidade de flagelar-se,
para que também ele encontre seu póstumo paraíso.

Na história dos flagelados,
conta-se que sem flagelados
não existiria história dos flagelados.
A história dos flagelados
é seu próprio
carrasco,
por vezes reencarnado
em algum líder populista.

A história dos flagelados
jamais matará a fome.






 






sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

DUELO

Se tua fala de nua lâmina se veste,
faço de meu silêncio carne 
para que retalhes somente meu vazio...
Hás de estontear-te quando do rubro contato
entre tua voz armada e o corte que quiseste,
até que caias num desmaio sobre o chão agreste
do que pela palavra criaste como realidade.
Não rezarei para que acordes
nem melodiarei dor que não sinto.
Suturarei tua imaginação
enquanto o gosto de cada gota do que não houve
escarnecerá de tua boca, a enganar-te.
.
Neste dia
todo o sorriso 
há de ser 
de ironia.

O silêncio reencarnado
velará tua carcaça.