quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Estratégia

Bolei uma estratégia para vencer.
Tinha inimigos,  pensava...

Meu reino e minha casa eram mais posse
do que reino e do que casa.
O instinto era medieval ainda que sincero.

Os sacerdotes de meu reino, pseudomestres da retórica,
convenciam a todos os meus soldados de que a luta
era pelo Inominável.

A estratégia era conquistar reinos alheios,
vencendo seus soldados e seu deus,
o que acabava por configurar
uma ciranda inútil
cujos passos se davam
mais pelas muletas
que os soldados tinham como espada
do que pela canção que sequer supunham haver
ainda que reinasse sobre todo o ar em movimento.

O problema de se fazer estratégias para vencer a si,
quando se é uma infinidade de reinos,
é prospectar a vitória antes mesmo
do alinhamento das tropas.
Isso acaba com o resplendor do jogo
que toda guerra é.
A única graça que há é o imprevisível.
É ele que aumenta o conhecimento universal.

O mais é aquilo que se mente para vencer
onde não existe jogo nenhum.

Concretizar impossibilidades:
algo como vencer onde não há jogo,
sem mentir.

Sem estratégia nenhuma.

Só então se pode afirmar com certeza:
"existo!".


quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

MOFO






As circunstâncias diziam-me a verdade
quando da tarde o fim oculto
ditava parâmetros pluvializados.
Mofo e tempo carcomiam
a geometria esquecida das coisas,
inimpedível destino
da materialização das ideias.

A concretude carcome o que materializa,
interpreta as intangibilidades
e as deforma em sua própria decomposição e arruínio
enquanto nos esforçamos
para quadrilateralizar os azulejos
das caixas em que moramos.

De distúrbio em distúrbio,
depositamos na organização
uma fé inabalável,
fazendo da Verdade um atributo
do que experienciamos haver.

O início da chuva anunciada outrora
é sentido minutos depois
do início dela.
Definir quando a chuva ou o sonho começam
é tarefa digna de semideuses
(e definir a definição é o hobby do demônio).

A trajetória irrepetível de cada gota
é o que torna a queda
uma lei.

Ainda que tudo seja forma,
a forma é pura desimportância.
O aspecto vil do mofo
é justamente o de se incomodar
em destruí-la.

As circunstâncias dizem-me a verdade:
sou puro mofo a ler a Folha de São Paulo
e não há nada de heroico nisso,
como querem os educadores.

Enquanto a chuva não cai
(porque é a própria queda coletiva
das gotas quando nascem),
preparo o ambiente do mofo
do qual só a arte
e uma única outra coisa
podem libertar-me.

A mim
e à minha formal
desimportância.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

OPACIDADE

Necessito de um acontecimento translúcido.

A opacidade morta nela mesma
não permite fluxos ordenadores.
Ela é a própria impaciência
quando pinta um autorretrato
sem referências fora da alteridade.

Translúcido... 

força de ser em nada imposta
a sutilizar a maneira de mudar que tudo tem.

Nenhum sentido há para que o brilho do olho
seja sempre maior do que o que é, digamos, visto,
nem para que a exceção à regra sempre cegue.

Fazer da luz Luz é grandioso e silente,
distante como a geometria o é da realidade.
Até ela é opaca, demanda a opacidade para que seja.
Com isso profanam-se todas as mandalas do mundo
e as coisas às quais a atenção se dirige,
exterioridades todas, 
formadoras da experiência também opaca
de cada instante e do que ali estiver, digamos, contido.

Digamos, porque é impreciso.

A precisão demanda Luz,
é um acontecimento translúcido por excelência.

A liberdade é uma expressão imprecisa da translucidez
que a experiência abafa.
Ser preciso é infinitamente mais livre do que ser livre.

A opacidade é a mãe de todas as sombras.
E o que preciso
urgentemente
é de um acontecimento translúcido.

Alguém viu?

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

CRUEZA

Nem noite, nem silêncio.
Não há ambiente simbólico.
Há talvez crueza.

Há talvez.

É preciso forçar os ouvidos a ouvir os ruídos
pra que eles não inspirem como sempre.
Nem noite, nem silêncio, esses servos de toda a literatura igual.

Tentar tanger um agora absoluto é admitir não conhecê-lo.
Não há tempo para confissões de incompetência
quando a auto subversão faz com que se rasguem os cenários mal pintados
daquilo que chamamos de lembrança.
Ela é noite e silêncio.

O contínuo das coisas aumenta o tamanho do passado.
É talvez sua única inquestionável função, e ela é crua
como a comida que se engole com pressa
após não se sentir o gosto.

Não há o que garanta o gosto.

Enquanto medito, o gosto da vida real se perde.
Se eu esquecer-me e for real, não há o que garanta que eu me experimente.

Em ambos os casos, regurgito o talvez
que nasce da ilusão de que sei o que significa qualquer depois.
Outra confissão de inépcia, socrática.

(Dei o nome de Sócrates ao ego por exercício.
Quem sabe ele se convença sábio
e permita que a literatura se repita.
É talvez sua única inquestionável função, e ela é crua
como a comida que se engole com pressa
após não se sentir o gosto.)

Nem noite, nem silêncio.
Eu.



quinta-feira, 27 de agosto de 2015

POEMA DE AMOR

Que eu não me perca na pasmaceira adjetiva, nem trace as fronteiras de ti por letras vagas, sólido som sem alma que derretes até o vazio com tua dança.
Que antes se calicizem as pedras de todas as construções sem nome em que se abriga gente a dormir sobre chãos sem geometria, e que eu trague em um só gole o remédio de seu conteúdo.
Só assim serei livre para pintar-te o rosto e exibí-lo à toda a obviedade, essa irmã tua que te serve de esconderijo enquanto danças sobre todos os efeitos a devolver beleza às circunstâncias com teus pés descalços. (Nascer da grama incontáveis vezes por segundo para endurecer teus calcanhares, possuir a forma de tua dança hiperflamenca, imobilizada; isso é maior e mais vívido do que a imobilidade alternante dos dias) Adjetivei figuras, viciei minha queda nas referências facilitadas da cor e do movimento. Por amor, preservei intactas tuas características, elas que descobrem a si mesmas quando ouso. Não há grandes temas fora de teu cerco. Amor, tempo, fé e mente sombreiam a pedra sobre a qual sentas para interagir com o ocaso, tu que com o que pra ti é corpo animizas espíritos de todas as coisas inocentemente, as mesmas coisas que traguei em um só gole após nadar no breu azulado de tua pupila. (Ao nadar, olhei para cima em um momento de respiro. Celeste era a abóbada)

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Daath Sanctorum





À noite,
visualizações em Candela
desorientam o tempo receptor.

Há uma pegada 
incalculada 
à beira do desespero.

Há, porém, 
uma lufada de ar fresco,
como antes e depois de um intervalo 
existe um sino

e além disso...

através das lágrimas,
alma.

Expropriação,
coração invisível,
renovação do sistema,
germinação desconhecida.

Extensão,

sexta-feira, 27 de março de 2015

BRASA

Minha consciência é a a brasa
entre os dedos de um tempo que me fuma
parcimoniosamente,
tragando o que de mim consome
qual vício tátil
e traduzindo-o nas formas expiradas
que existem em sua imaginação,
mas nunca em mim.

Não sou minha consciência.

Minha face é o incêndio na beira da estrada
a batizar os cadáveres
das ervas daninhas.


sábado, 28 de fevereiro de 2015

QUEM NÃO MATA A FOME

Da história dos flagelados, 
como amostra de sangue,
retiraram-se discursos
coagulados.
A redundante história
da América Latina
descobriu-se cancerígena
falácia.
A liberdade, confusa,
não sabia se deveria prantear
ou ser pranteada
enquanto a ingorância,
carpideira e mercenária,
chorava cicuta nas goelas
dos filósofos.
Os flagelados,
ainda sem conhecer a história de si mesmos,
receberam em nome do Senhor
uma extrema-unção coletiva
e imposta.
Não sabiam que a ciência descobrira
a inexistência das raças,
o vazio dos corpos,
o multiverso...
Conheciam profundamente
a necessidade do bife e do sexo,
sabiam-se somente corpos
sem finalidade além da mais-valia,
enquanto o discurso gorduroso
que consumiam por obrigação
coagulava cada vez mais a via cardíaca
que irrigaria de poder a liberdade real,
que ora sabia apenas chorar sobre si mesma
venenosos flagelos.

Na história dos flagelados,
lê-se que os oprimidos 
dela participaram somente para quebrar coisas
em favor dos mentirosos da oposição
aos que outrora se opuseram.
Artistas iconizaram idiotas em estátuas
pagas pelo Estado,
enquanto a criação teórica
de classes economico-sócio-histórico-fenotípico-culturais
dividia populações semifeudais
para conquistá-las violentamente,
ainda que sem sangue
(até onde veiculou o quarto poder).

Na história dos flagelados,
há um capítulo dedicado à formação moral.
Nele, aprende-se 
que não é de boa conduta
não sofrer,
assim como deve-se ver com deconfiança
o indivíduo que goste do que for farto
e do que for belo.
Admite-se, nesse capítulo,
no máximo uma beleza... reciclável,
descartável,
pois aspirações à eternidade
nada são além de subversões inúteis.
Deve-se acreditar em Deus sem conhecê-Lo,
de modo que espelhos polidos
devem ser julgados como arrogante forma de narcisismo.
Deve-se pagar impostos antes de devê-los,
com a finalidade de ajudar o Estado
a ajudar os flagelados.
Deve-se ser simples 
e evitar falar
considerando concordâncias 
verbais e nominais,
essas que são uma maldita forma
de dominação burguesa.
Deve-se competir pelo maior número de flagelos,
pois estes levam ao reino do céu,
sem jamais retirar de um irmão
a possibilidade de flagelar-se,
para que também ele encontre seu póstumo paraíso.

Na história dos flagelados,
conta-se que sem flagelados
não existiria história dos flagelados.
A história dos flagelados
é seu próprio
carrasco,
por vezes reencarnado
em algum líder populista.

A história dos flagelados
jamais matará a fome.






 






sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

DUELO

Se tua fala de nua lâmina se veste,
faço de meu silêncio carne 
para que retalhes somente meu vazio...
Hás de estontear-te quando do rubro contato
entre tua voz armada e o corte que quiseste,
até que caias num desmaio sobre o chão agreste
do que pela palavra criaste como realidade.
Não rezarei para que acordes
nem melodiarei dor que não sinto.
Suturarei tua imaginação
enquanto o gosto de cada gota do que não houve
escarnecerá de tua boca, a enganar-te.
.
Neste dia
todo o sorriso 
há de ser 
de ironia.

O silêncio reencarnado
velará tua carcaça.



domingo, 25 de janeiro de 2015

MALHA

Não gritei.
O fiapo de voz
emaranhou-se em uma malha
que usei para vestir evidências.
A percepção não adjetou nada
e toda a estética foi exilada
no depois.
Não gritei porque não senti,
os absurdos desfilavam
e eu os via
como a um filme que só se assiste
sabendo que não corresponde à verdade.
Não gritei para que o silêncio tensionasse
as fibras do presente
até que esse explodisse
sobre a malha que a falha da voz arquitetou.
Cinco minutos depois
a Terra, tal como sempre fora,
virou-me as costas e foi noite.
Miguel continua acorrentando satã.
A Mona Lisa continua fingida.
A malha insuficiente
não esquentou-me o sono.
Tudo não passa
de um tear medieval
a que não se pode dar crédito...

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

VÍSCERA

Visceral antologia desce em cascatas,
alisando as pedras ósseas da face.
Nada de lágrimas
e metáforas baratas metamorfoseadas.
A realidade impregna o sangue de medo do mundo,
ainda que criada por uma entranha
e ainda que esta precise de outras como ela
para ser alimentada.
A antologia é toda nervos
vibrando pela fricção de um arco
feito de nervos
a gerar fugas sobre fugas
sobre o mesmo tema.
À dissonância chama-se prazer,
à consonância paz
e ao silêncio, dor ou morte.
Onde mora o eu?
Naquele que declara amor a outros complexos viscerais
ou naquele que ajoelha as entranhas ante o sublime
que a carne adapta
por medo do mundo?

Visceral antologia desce em cascatas
alisando as pedras ósseas da face.
Lágrimas e metáforas
ajoelham a dissonância sem sublime
ante um eu
que não mora em lugar nenhum.

No córtex cerebral, neurônios sentem pena
do neurologista que os massacra
à procura da alma humana.

Após, faz de sua namorada noiva
por amor
abaixo do adágio:
"Médico, cura a ti mesmo"