sábado, 26 de novembro de 2016

GRANULAR-SE

Quem granular-se-á no aterro das convicções
para que tome corpo
o desígnio da semente?

O DNA do fato é a intenção.
O que poderia ser carbono para levar a intenção a cabo?

É arbóreo o devir que se submete,
fastio e dádiva que nos quebra os galhos
para que caiam às nossas raízes.

Quisera que houvessem causas para que quedas fizessem sentido.
Há antes repetição no locus espesso do presente.

Ademais, o que é o desígnio
senão desenho e intenção desmedida?

Tudo sobra fora do número, como a maior parte do universo.
Há desígnio na existência do indizível,
mostrado qual incógnita no fechar dos olhos.

Mas ...

quem granular-se-á no aterro das convicções?

Cada grão que o possa ser
é em si

uma convicção.

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

RECADO






A quem possa compreender a lida:
que divida e cale
esse fazer-se ídolo
para crepuscular-se.
A perspectiva do tempo dá-se pelas sombras
e o indizível é só o haver sombra sobre o que se aparenta.

Nunca é pela palavra que se entende o que se diz.

A lida é um passar de olhos pelos sujeitos,
captar-lhes o provável e morrer de dúvida
para demonstrar-lhes que a vida é uma sentença.
Talvez assim queiram-na verdadeira...

Ademais, é sempre à beira do ininteligível
que se encontram os templos sagrados
e todo o seu tesouro improvável.
Bater à sua porta exige sumiço.

Sumir é uma ousadia, como deixar uma frase
em uma carta sob a porta,
em um idioma desconhecido...
uma improvável oração sem sujeito.
Para que seja lida.







quinta-feira, 11 de agosto de 2016

DA VANGUARDA AO NADA (libelo contra o óbvio aberto)

Quando o mictório exposto for imitado pelo silêncio ilimitado imitado numa peça musical,
dir-se-á: "ó, nova musa que és anti ante regras estabelecidas: que regra segue-se de teu semblante?".
Ela sorrirá de soslaio, enigmaticamente, em uma deixa para que dançarinos nus
estejam nus porque têm pau e não porque têm contexto.
O poeta rugirá somente consoantes e o medo de ser idiota aplaudirá.

É necessário destruir a arte burguesa. Somente antiarte burguesa poderá fazê-lo.

Deve-se vender livros sobre como desconstruir os livros
e fazer palestas sobre como escrevê-los, em Nova York,
entre etéreas redundâncias de frases eletrônicas e projeções de manchas transmutantes de cor,
belas como não poderiam deixar de ser quando ainda são ao menos luz.

A regra da nova musa impõe que eliminemos toda a metafísica,
mas que sejamos metafísicos na explicação do motivo pelo qual algum ator infeliz
conversa com a coxia como se entre as coxas do espanto da plateia,
que descobre instante a instante que exatamente todas as suas percepções sobre a vida
são erradas.

Não há acerto onde não há pergunta, nem pergunta onde pontos de vista são o novo Deus.

"A arte é um cadáver", diz a nova musa prazerosamente para seus executores de qualquer coisa.
"Por que perscrutais frases na segunda pessoa do plural,
que só há nas bíblias e em textos com mais de trezentos caracteres?
Não há mais discursos de tal monta, eliminai segundas pessoas do que escreveis!".

Por uma sanha dialética, deve-se ser diferente de todos para pregar a igualdade entre as pessoas,
pois estas só enxergam a diferença. Necessariamente.
Caso haja algum crítico que enxergue nexos de igualdade
entre tua coisa qualquer que fizeste e a do outro,
deve-se repetir a frase: "você não entendeu o que eu quis dizer".
Convém também dizer, após uma eventual segunda investida do crítico: "é uma questão de gosto"
e encerrar a conversa para discutir questões financeiras com o agente ou o político mais próximo.
Jamais discutir o gosto e tratá-lo como religião é exaltar a nova musa,
ela que está para as vanguardas como o evangelho de João está para a Torá.

"O meio é a mensagem", sussurra a televisão desligada, irônica.
Há muito temos levado telas a sério. Como inimigas, inclusive...

A nova musa sorri ainda de soslaio,
porque entende a televisão como ninguém...
sabe que não durará...
enquanto isso um filme mais ou menos igual à vida
passa diante dos seus olhos e a nova musa finge que não vê.
Ela não tem interesse em destruir ou desconstruir o que não é arte.

O mictório exposto no museu é inimitável.
O mictório exposto de novo no museu é nada.
Dá pra medir em bits.



quarta-feira, 27 de julho de 2016

PARA A MAIS LINDA NATUREZA






Há manhã no hálito do silêncio.
As ondas do que foi chorado por alguém
supõem ressacas.
Se abaixo delas tesouros permanecem à espera,
isso não muda em nenhum aspecto a manhã.
Injusto? Sem dúvida.
Mas injusto para com as ondas
que ainda supõem
servir apenas
para trazer à praia
a sujeira do mar.

As ondas são o afeto do mar,
a sujeira do mar não é sua
como o são seus tesouros.

O mar é belo.
Belo!
A despeito dos discursos...

O hálito do silêncio causou sua ressaca
num contramovimento
em que o mar acreditou...

Acreditar nunca foi ter fé.
Só se pode acreditar no que é dito,

No coração do silêncio mora voz,
e esta não precisa dizer nada...

O coração é uma palavra bonita para nomear o mar...
é nele que se pode alquimizar o silêncio.
Transforma-lo em ouro.
O ouro é belo.
Belo!
A despeito dos discursos.

Que ressaca? Que sujeira?
Se o mar causa náuseas, deve-se por para fora
o que dentro não se adequa ao seu movimento.

Tudo o mais é acreditar.

Tudo fora
a mais bela manhã,
a despeito dos discursos.

quinta-feira, 16 de junho de 2016

HECATOMBE

Quando dos rituais a hecatombe tornou-se clara,
em algum ponto não horizontino do céu nenhum em que os símbolos estão,
acordei e vi na cabeceira da minha cabeça
não os livros mal dispostos que me velaram o sono,
mas a poeira sobre eles que até hoje não sei do que é feita.
Supus dela a terra, a pele, o mofo e os pelos
como que triturados pelo fim de sua finalidade
e pelo início do desvio desta em outra:
a de significar o fim de uma finalidade
e o velho adjetivo e não pessoa para além desse fim.
A poeira era parte do meu céu nenhum,
ora descosturado por uma hecatombe pouco óbvia,
sequer silenciosa,
posto que o silêncio é o cerne de todos os rituais.
Levantei-me da cama e do espelho passei ao largo,
que ele era poeira e isso não era em nada evidente,
mas a pura evidência.
Chorei por quem angustiou-se ante o espelho e depois aprendeu,
porque o espelho não ensina senão uma poeira invertida
e a inversão é a sua maior virtude.
O espelho é moralmente pobre.
Enquanto caminhava pelo corredor de minha casa,
ouvia a hecatombe autoanunciada
como quem não se lembra de um arranjo.
O céu nenhum era sobre a terra, também nenhuma,
uma projeção cinematográfica capaz de dizer a verdade.
Qualquer verdade.
Isso, porém, não redimia o fato de que mentia
e que a hecatombe de todos os rituais era monstruosamente bela
porque não dizia a verdade,
mas mostrava sua indizibilidade.
Arjuna viu sua caricatura infantil nas faces indianas de Krishna,
e foi por não terem permitido essa hecatombe
que Yeshoua pediu perdão pelos homens,
para ser transformado no seu inverso tão logo foi possível
pelos que têm medo.
E eu, que mal havia percorrido quatro passos,
tendo em vista a pequena dimensão da minha casa,
sentei-me à mesa e recusei abrir o pão para passar-lhe a margarina
como quem camufla com um ritual o aspecto pobremente formal do pão,
que não é nada sem que algo o preencha.
Neguei também o açúcar ao café
e a forma da hecatombe em meu céu nenhum
foi a forma do meu rosto quando sorri e gostei do sorriso.
Vesti-me com uma roupa de ir pra fora de casa
e enganei o engano ao cumprir um ritual,
pois repetir demais a quebra de paradigma
é torná-la o que ela não é,
como fizeram com Cristo.
O instante em que a hecatombe deixou de anunciar-se
foi o instante em que aconteceu.
Não pensei, e por isso não houve experiência.
Fui o cúmulo do ser criança
e sorri na forma da hecatombe
em meu não céu.
Quando eu morrer, estarei lá.
Porque estou lá.
Abri a porta de casa e dei um passo.
O frio de inverno era quase tão feliz quanto eu.

sexta-feira, 20 de maio de 2016

A MÁQUINA






Ao Jonathan Mendes Caris


Insurgem as metáforas sempre.

Maquinismos são tirânicos.
Quantos de nós andamos medindo as palavras
sem notar que elas não têm tamanho?

Quem de nós ousaria esboçar o fascismo da dedução?
Não pode haver nome geral que determine o indivíduo.
Indivíduo é um nome geral pelo qual se entende somente um devir.
Um devir é algo que só se compreende como tal depois, nunca antes.

Tal é a cadeia que em milionésimos de segundo
é formada e destruída para que um templo nasça da ruína da máquina.

A máquina não é ninguém.
Expressá-lo é tão óbvio quanto estranho.
A própria expressão é aqui metáfora e insurge,
como um harakiri da máquina
que sabe se lá quantas obras de arte forma em milionésimos de segundo
pela soma de cada trajetória elétrica que parece dar a ela
uma finalidade.

A finalidade é um devir e, como tal, só se compreende depois,
nunca antes

As finalidades espreitam na esquina como o mestre que só aparece
quando o discípulo está pronto.

Sempre metáforas as insurgem.




quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

ANGUISH OF FORM

No, there are no eyes that see in this poem.
Sight is the square root of a possibility.
Truth? No, words aren't able to indicate it,
Truth is the manifestation of all existing things,
and there's no illusion which isn't just a concept.

Look at the border which separates
the air and the skin
and, after, answer me:
where does one finish and the other start?

Welcome to the anguish of form,
nonexistent reader!

Wonders are all below the form.
Content is a form inside a form,
and this will never have an end.
I'm sorry for that.

What should happen if there weren't signs
to distract the mind in those useless days,
repeated like some law in the court of the brain?
(judgement is almost the only function of mind.
an even create is to judge)

Do you think that mere emotion can save us?
And if I tell you that emotion is reaction?
Emotion is born of copulation
between memory and expectation.
Outside of them, it just is not.

Consider the verb to be an unformulated question.

Dont't we want to be free?
Throw away all the signifying instinct,
person of little faith!

Free will is the same as an unformulated question.
It is not in any form be.
And because you want it.

(Pay attention: suicide is a form of being.
So, it's not an answer).

By the way, where do I finish
and where do you start?

The answer to this one
is the nickname
of Love.