quarta-feira, 23 de abril de 2014

A COPA (ou POSIÇÃO POLÍTICA)

A Copa acopla cúpulas
de bichos revolucionários
à culpa cuspida nas entrelinhas
daquilo que se espera ainda que podre...
E os méritos misteriosos
de todos os julgamentos
(necessários porque inerentes)
cheiram à vontade de potência,
e potência é ser ouvido
ser lido ou, existindo
ser em relação ao outro...

Nada para além do bem e do mal!
Na história da feiúra nenhum inimigo é belo,
e não ter inimigos é não ser em relação a nada.
O inimigo coletivo é o tempo perdido
com o século dezenove que retroage
sempre pendular.

Esquerda
                    Direita
Esquerda
                    Direita

Até que tontos e roubados
nos resta da filosofia
somente a bunda exposta na janela,
nos portais,
e o velho porre
e os sempre mesmos ais.

Ah... e a culpa...

aquela a partir da qual
criamos e recriamos o Estado,
como se em si mesmo este fosse
o templo de todas as desgraças,
o feitor desse engenho
que emprenhamos de ignorância
e de açúcar
(o que vai na caipirinha do gringo
com ginga,
pinga
e molezas solares e tropicais).

Não me perguntem minha posição política!
Fosse ela uma posição
ou uma oposição
seria burra e obcecada,
como quem, lendo uma frase,
pressupõe um texto todo
e conclui devires e estéticas.

Minha posição política
é a razão.

E a Copa? Vai ter?
Se tivesse,
quem,
quanto
e o que
ela teria?

 

segunda-feira, 21 de abril de 2014

ETERNO RETORNO

E porque todo o sentido cala a inteligência
falei pela respiração falhada e pelo olho ao longe
de quem anda em direção a todos os rumos
e por isso em círculo.
Acumulei verbos em pretérito perfeito
que não viriam a ser mais do que sentidos
pelos quais minha consciência compreendeu o toque
e ouviu a voz de todos os meus cúmulos cálidos,
esses que caem do bolso sem que nos demos conta,
marcam a fogo o asfalto das calçadas
e gritam sua ausência quando a vida lhes cobra.
E tudo muito mais por uma manobra
do que pela obra em si que possível já me existe,
não como um complexo de coisas arbitrárias
organizadas pela parcialidade do juízo,
mas a obra pura por meio da qual
vive o pouco do que é vivo
e se modifica o que morto
é sempre igual...
E porque o repentino usurpa o lugar
de tudo o que é medido palmo a palmo,
preferi que de repente toda a obra fosse
e se esvaísse comigo
até que de novo me permitisse
me ver por fora de meu umbigo,
me ver alheio, eu que vendo de cima
vi de tudo somente o meio.
Por isso me retiro dos traços das imagens
das cores holográficas e frágeis
do que se me apresenta livre,
posto que não há liberdade conceituável
que não fuja de si mesma
por asco puro.
Por isso quase que me encasco
ainda que não seja duro,
por isso a morte inerente
não é nada diferente do que entullho
ao largo de minhas fronteiras
para chamar de casa, de templo,
isso que é só um rebento de cada caos
ainda que todos os taos de tudo
se equilibrem sem que eu veja.
Mas ainda pouco se compara
à força bruta e amara
de quando meu olho dardeja
os alvos que não acertei
com as torrentes inscritas
nas vestes das horas
em que, absurdo, me retardei.
A pena é que se perdem
no veneno dos meus absurdos
e ao acertar matam o alvo
tanto quanto o obscuro,
e o que sobra é nem olho
nem meta, nem dardo,
apenas o andar em círculos
para que tudo se crie de novo
num absurdo e eterno retorno...

quinta-feira, 17 de abril de 2014

LATENTE

O que quer que seja longe
abriga como concha
a incerteza e o desconhecido.

Esse lá onde quer que seja
não deseja
como se esperasse.

Lá tem-te
tem-me,
e mantém-se sempre
à mesma distância

por mais que andemos.

Andar desde sempre
é tudo o que pudemos...

quarta-feira, 16 de abril de 2014

SE ME MANIPULASSEM





Se me manipulassem, me pegariam com a mão.
Saberiam de meu suor e gosma,
ralés de toda a telesma,
sentiriam meus cheiros
e todo tipo de secreção
que em mim fosse produzido:
da animalidade da libido
à mais recente canção.
Se me manipulassem eu sairia outro,
uma quinquilharia manufaturada,
um algo chinês, um funk carioca.
Se me manipulassem eu seria
uma doce alma analfabetizada.
Se me manipulassem
teriam-me cortado e a fogo brando cozinhado
em uma sopa rala de estupor e ossos.
Teriam-me deglutido, digerido e expulsado
para que eu renascesse no pescado
de uma família à margem ilegal de um ribeirão.
Se me manipulassem eu faria parte
de tantas filas indianas por dia
que a Índia inteira se consternaria
por tê-las fomentado há tanto...
Se me manipulassem eu seria todo códigos
e não me decifraria:
artigos, números, proposições e leis
rasgariam-se em tatuagens repulsivas
na crueza da minha carne.
Se me manipulassem
me dariam cordas para cada membro,
para que eu as exibisse
enquanto vozes de ventríloquo
não sairiam pela minha boca.
Se me manipulassem eu não sentiria meu peso
posto que suspenso pela força de um gigante.
Se me manipulassem?
E não o fazem?
Penso tudo o que podia
vir à luz de um fato metafórico
a partir desse homérico manipular:
todas as imagens estão lá
esperando para ser vistas
nas permutas entre causas e efeitos
delineadas pela memória.
No caso de não me manipularem,
tudo é vazio
e nada vejo.
Livremente manipulado
saboreio o dissabor de não saber,
entorpecendo um fim de verso
inutilizado...


quinta-feira, 10 de abril de 2014

A FLOR E O CINZA

Pouco em flor
me deixo à brecha
ao me supor
como quem fecha
pétalas poucas...

Nas brochuras
de minhas folhas
há minas obstruídas
e linhas partidas
por uma margem vertical,
raiz e caule
de meus começos.

Eu botão
bordo luzes
por minhas fendas,
estampo sombras
em meus ângulos
e mudo muto
somente porque o grito
a nada convence...

Que semente se condensa
se minto à terra propensa
quando não me enraizo
e broto da massa cinzenta
das nuvens que não me chovem?

Desamor
desabrocha.

Esse fóssil da vida
inerte rocha...

quarta-feira, 9 de abril de 2014

CANDELABRUM

The moon is a candelabrum.
Its candle, this argent shadow
of the sun..
My pupils quest for their own light,
falling in their own hole,
and in this plunge they fear
the infinite lake of their tears
which can't efface the plate,
almost-light,
not even erradicate
the being of the night
while everything I see
shows only the back to the sun...

The moon is a candelabrum...
If its candles were just candles,
I probably would explode it
burning their wicks.
It would be
the most irreducible form
of my pray,
the expanded form
of my miracle...

quinta-feira, 3 de abril de 2014

DESFALECER

O desfalecer das coisas
distingue os detalhes,
abstrai as linhas dos conglomerados
e realoca pós sobre outros montes,
sobre outros antes,
pra depois juntar os traços
e criar individualidades completas,
esses Frankensteins do tempo
que nada asseguram de si...

O desfalecer é todo sentidos,
porque é inerente
e incontrolável.

O que em mim desfalece
vê na verdade
um corrosivo
e teme.
Contrai-se.
Some.

à francesa, a vida em espiral
mexe o líquido dos sentidos
como quem, de saída, deixa pistas...

Desfalecer
é vida.
Tudo desfalece...






quarta-feira, 2 de abril de 2014

CATARSE

A katana alisa ríspida o ar
e acata o coito com o peito nu.
O despeito deflorado
acachoeira repressões
ao represar fatos.
A ausência fluida
por detrás da fenda
é puro espaço
e, enquanto a ferida
disfarça o vazio,
a katana ao ar expulsa
o sangue de toda a confusão,
assim como se pudesse matar
mas conseguindo somente
produzir mais vida.