quarta-feira, 16 de abril de 2014

SE ME MANIPULASSEM





Se me manipulassem, me pegariam com a mão.
Saberiam de meu suor e gosma,
ralés de toda a telesma,
sentiriam meus cheiros
e todo tipo de secreção
que em mim fosse produzido:
da animalidade da libido
à mais recente canção.
Se me manipulassem eu sairia outro,
uma quinquilharia manufaturada,
um algo chinês, um funk carioca.
Se me manipulassem eu seria
uma doce alma analfabetizada.
Se me manipulassem
teriam-me cortado e a fogo brando cozinhado
em uma sopa rala de estupor e ossos.
Teriam-me deglutido, digerido e expulsado
para que eu renascesse no pescado
de uma família à margem ilegal de um ribeirão.
Se me manipulassem eu faria parte
de tantas filas indianas por dia
que a Índia inteira se consternaria
por tê-las fomentado há tanto...
Se me manipulassem eu seria todo códigos
e não me decifraria:
artigos, números, proposições e leis
rasgariam-se em tatuagens repulsivas
na crueza da minha carne.
Se me manipulassem
me dariam cordas para cada membro,
para que eu as exibisse
enquanto vozes de ventríloquo
não sairiam pela minha boca.
Se me manipulassem eu não sentiria meu peso
posto que suspenso pela força de um gigante.
Se me manipulassem?
E não o fazem?
Penso tudo o que podia
vir à luz de um fato metafórico
a partir desse homérico manipular:
todas as imagens estão lá
esperando para ser vistas
nas permutas entre causas e efeitos
delineadas pela memória.
No caso de não me manipularem,
tudo é vazio
e nada vejo.
Livremente manipulado
saboreio o dissabor de não saber,
entorpecendo um fim de verso
inutilizado...


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